sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Convidado do mês: Nando Bolognesi

Nando Bolognesi nasceu em São Paulo, em 1968. Formou-se em economia na USP, História na PUC e na Escola de Arte Dramática (EAD) ECA-USP. Participou dos filmes Bicho de Sete Cabeças, Carandiru e O Super Nada.
Especializou-se na linguagem do clown e se transforma no palhaço Comendador Nelson, fazendo parte dos grupos Doutores da Alegria, Jogando no Quintal e criando “Fantásticos Frenéticos – palhaços em hospitais psiquiátricos”.
Nando foi diagnosticado com esclerose múltipla desde os 21 anos de idade. Recentemente lançou o livro Um palhaço na boca do vulcão, pela Editora Grua. Atualmente mora em Itu, com esposa e filho.

Convidado do mês: Nando Bolognesi - Entrevista por Dra Milene Zanoni da Silva Vosgerau

Muito antes de conhecer Nando Bolognesi, já conhecia o seu palhaço–Comendador Nelson.Há vários anos utilizo o documentário “Doutores da Alegria: o filme” em minhas aulas sobre humanização na saúde. Entre tantas estórias contadas no documentário, uma delas – que os alunos sempre riem quando ouvem – não saiu da minha cabeça. Era o Palhaço Comendador,que relatava um causo acontecido envolvendo um peixinho e um menino, na ala pediátrica de um hospital. Ele falava como aquela criança tinha se permitido embarcar numa viagem de pura piração e delírio, acreditando na existência real de um peixinho no lençol, a ponto de não deixá-lo lavar por dias.

Coincidência ou não, em abril deste ano fui assistir no Festival de Teatro de Curitiba uma peça chamada “Se fosse fácil, não teria graça”, de Nando Bolognesi. Logo nos primeiros minutos de peça, a voz do ator me pareceu muito familiar. Nando e Nelson eram a mesma pessoa!

Esta peça me inspirou a convidar Nando para uma entrevista a este blog. Ao procurar seu contato,descobri que ele havia lançado recentemente seu primeiro livro, “Um Palhaço na Boca do Vulcão”. Comecei a ler e não consegui parar até terminar!

Tanto o livro quanto o espetáculo sãocomoventes, intensos e intuitivos que, entre risos e lágrimas,fizeram com que eu refletisse – a partir da história de vida de Nando e sua relação com a esclerose múltipla – sobrecomo o potencial do ser humano é infinito. Realmente“tudo, inclusive os fatos, são apenas a ponta do mistério”, tal como dizia Guimarães Rosa.

A história de vida de Nando tem grande identidade com os temas que tratamos no blog Compreender Saúde. Assim, com muito prazer e honra, o nosso convidado do mês é Nando Bolognesi!



1. Nando você acabou de lançar seu primeiro livro “Um palhaço na boca do vulcão”.Por que decidiu escrever sobre sua vida?
Nunca planejei escrever sobre a minha vida, foi um editor quem sugeriu que escrevesse um relato sobre minha trajetória desde o diagnóstico da Esclerose múltipla em 1990.Muito feliz com sua sugestão, aceitei o desafio.
        2. Ao longo do seu livro, você cita muitos tratamentos que fez para tentar impedir o avanço da esclerose múltipla. Desde urinoterapia, antroposofia, homeopatia, fitoterapia, xamanismo até o transplante de medula óssea, em 2009. Como estas terapias contribuíram para seu bem-estar e qualidade de vida.

Cada uma, segundo suas possibilidades e limitações, me trouxe algo de positivo.
Ao longo do convívio com a doença aprendi que estava lutando em três frentes simultâneas.
Uma delas diz respeito ao que passei a chamar de “tratamento de fundo” e busca evitar a ocorrência de novos surtos através de tratamentos de médio e longo prazo. São terapias que buscam um equilíbrio holístico voltado não somente à esclerose Múltipla. Nessa categoria se enquadram a homeopatia, a antroposofia, a meditação, o xamanismo, os cochilos depois do almoço, as férias regulares, a alimentação balanceada, as leituras, a diversão, meu relacionamento com meus amigos e familiares.
Uma segunda frente é de curtíssimo prazo e diz respeito às terapias para “apagar incêndios”. São aquelas práticas e medicamentos destinados a debelarem os surtos quando eles se manifestam. São as drogas alopáticas tais como cortisona, quimioterapia, imunoglobulina humana e por fim o transplante de medula.
E por fim, uma terceira frente se refere ao esforço por recuperar as perdas acumuladas pelos anos da doença. Nessa frente estão os diversos tipos de fisioterapia a que me submeti e ainda me submeto; as práticas esportivas que ainda me são possíveis, entre elas andar de triciclo e tentar praticar tai-chi; e por fim alguns medicamentos alopáticos e outros homeopáticos.


        3. Dia 30 de agosto foi o Dia Nacional de Conscientização sobre a Esclerose Múltipla. Que dicas você pode dar para quem convive com doenças – sejam pacientes, familiares e amigos – que podem gerarlimitações?

Não me sinto à vontade para dar dicas, cada um deve encontrar seus próprios caminhos.
O que faço é compartilhar, através do livro “Um palhaço na boca do vulcão” e de meu espetáculo “Se fosse fácil, não teria graça”, qual foi o meu caminho.
Se minha história fizer sentido e propuser atitudes novas, isso será consequência da interação entre a minha obra e seu interlocutor.

       4. Gostei muito do trecho do seu livro que fala como você se relaciona com o momento presente. “A esclerose por ser progressiva colaborou com o meu jeito de encarar as coisas de modo positivo....[ ] Então hoje estou bem melhor do que provavelmente estarei amanhã e isso me faz valorizar o presente. É como se não tivesse tempo a perder com lamentações e precisasse aproveitar tudo o quanto antes, já que o futuro promete ser sempre pior”. Você se considerava otimista antes da doença? Insights positivos como este vieram logo após o diagnóstico ou apareceram a partir de alguma fase ou fato ocorrido?

A sensação segundo a qual hoje estou bem melhor do que provavelmente estarei amanhã e a consequente valorização do aqui e agora foi, como quase tudo relativo a meu convívio com a esclerose múltipla, um processo lento e gradual.
Quando já nem se quer era capaz de correr, lembrava-me de minhas reclamações por estar jogando mal futebol e pensava: “Puxa, eu reclamava de barriga cheia.”
Assim notei que, muito provavelmente, quando olhar para mim daqui a dez anos o farei com a mesma nostalgia que reconheço ao olhar, hoje, para meu estado dez anos atrás.
A tragédia do “eu era feliz e não sabia”, essa não a vivo mais.
Aprendi a dar valor ao que tenho hoje.

     5. Além da questão profissional, você encara como um processo terapêutico interpretar o palhaço Comendador Nelson? Nos fale mais da influência de sua atuação profissional na sua saúde e bem-estar.

O maior aprendizado que minha interação com a linguagem do palhaço trouxe foi a de não me levar a sério. Zombar de si mesmo tem o poderoso efeito terapêutico de desdramatizar a vida. Tudo pode ser mais simples quando nos conferimos a real importância que temos. Na maioria das vezes nos damos importância demasiada.
Nesse sentido, é sempre bom lembrarmos que somos nós mesmos, somente para nós, para todos os outros seis bilhões de habitantes do planeta somos o “Outro” e temos a mesma desimportância que costumamos atribuir a nossos semelhantes.


     6. Você conviveu por três anos com usuários de serviços de “saúde mental” e criou “Fantásticos Frenéticos – palhaços em hospitais psiquiátricos”. O que você aprendeu com as pessoas com transtornos mentais?

Aprendi que devo ser grato pela minha saúde física e mental, pois encontrei muito sofrimento nos hospitais psiquiátricos que visitei.

    7. No seu espetáculo e no seu livro, que tratam da sua vida, você deixa claro que, em nenhum momento, você desistiu dos seus sonhos. Na verdade, você usou as dificuldades que a vida te colocou como trampolim para conseguir alcançá-los. De onde vem sua força?

A vida vai correndo caótica e só quando olhamos para trás tentamos dar sentido e atribuir significados às coisas que nos aconteceram. Nunca me propus a transformar dificuldades em trampolins para o que quer que seja. Acredito que minha força venha da capacidade de rir de mim mesmo, de não me levar tão a sério,de saber ter o pasmo ante o mistério que é existirmos, de reconhecer a oportunidade que é estar vivo e, por fim, do esforço por me tornar digno dessa oportunidade..
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     8. “A rapidez com que se instala o amor, é uma coisa avassaladora, muito poderosa.” É assim que você definiu o sentimento de se tornar pai. Como foi a experiência da adoção para você e sua família?

Dediquei todo um capítulo do livro “Um palhaço na boca do vulcão” para falar desse assunto e ainda assim não fui capaz de esgotar toda a sua extensão e intensidade. O nome do capítulo é “Uma overdose de amor” e acredito que essa seja a síntese mais próxima do que tenha sido essa experiência.

   9. Você é bastante corajoso em falar de si mesmo, de se expor – contar suas fragilidades e superações.Nos momentos de dificuldade, Você canta “Maria, Maria”, lembra Shakespeare:“A paz e a fortuna geram covardes, a necessidade é a mãe da audácia” e recorda seu grande herói – Dom Quixote. Como foi o processo de autoaceitação para você?

A autoaceitação é um processo infindável, muitas vezes doloroso, sempre renovado e transformado a cada nova descoberta de si mesmo. Talvez minha maior tarefa depois do diagnóstico da esclerose múltipla tenha sido, e ainda está sendo, a de reconhecer que não existe um duplo de mim sem a doença. Um duplo que seria capaz, por não sofrer de esclerose múltipla, de realizar tudo aquilo que não fiz, realizei ou projetei para mim.
Meu maior desafio de autoaceitação foi, tem sido e ainda é, reconhecer que os limites físicos com os quais passei a conviver, em decorrência da esclerose múltipla, não são uma degeneração de um projeto utópico de mim mesmo. Eles são parte daquilo que acredito ser eu e, como tudo o mais que sou ou penso ser, estão em constante e profunda reformulação.

       10. Nando, para finalizar:após a divulgação do livro, quais são seus planos para o futuro?

Estou empenhado em levar meu livro “Um palhaço na boca do vulcão” e meu espetáculo “Se fosse fácil, não teria graça” ao alcance do maior número de pessoas possível.
Sonho também em escrever cada vez mais. Tenho projetos de mais três ou quatro livros já iniciados e gostaria muito de torna-los efetivos.
Desejo muito me manter ativo nos palcos a despeito de minhas limitações físicas. Encerrarei uma temporada teatral na sala B do teatro Alfa (espetáculo“Desmiolações”, com os palhaços Adão e Rubra que são meus irmãos Lu Lopes e Paulo Federal), na qual atuei usando cadeira derodas e isso me encheu de desejos, ideias, projetos.
Essa experiência me acendeu o desejo de criar um espetáculo no qual atue com cadeira de rodas novamente, mas agora num espetáculo adulto.
Quero muito acompanhar de perto o crescimento do meu filho; aprofundar meu relacionamento com minha companheira de vinte anos de união; celebrar tudo que for possível com os meus amigos e amigas; manter-me próximo a meus familiares e me tornar um ser mais sereno, lúcido e grato.


Bolognesi, Nando. Um palhaço na boca do vulcão. São Paulo: Grua, 2014.
“Se fosse fácil, não teria graça.” https://www.youtube.com/watch?v=_atfb_321II
“Doutores da Alegria: O Filme” https://www.youtube.com/watch?v=EylkUOqmJjI



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