Nando Bolognesi nasceu
em São Paulo, em 1968. Formou-se em economia na USP, História na PUC e na
Escola de Arte Dramática (EAD) ECA-USP. Participou dos filmes Bicho de Sete
Cabeças, Carandiru e O Super Nada.
Especializou-se na linguagem do clown e se transforma no
palhaço Comendador Nelson, fazendo parte dos grupos Doutores da Alegria,
Jogando no Quintal e criando “Fantásticos Frenéticos – palhaços em hospitais
psiquiátricos”.
Nando foi diagnosticado com esclerose múltipla desde os 21
anos de idade. Recentemente lançou o livro Um palhaço na boca do vulcão, pela Editora Grua. Atualmente mora em
Itu, com esposa e filho.
Convidado
do mês: Nando Bolognesi - Entrevista por Dra Milene Zanoni da Silva Vosgerau
Muito
antes de conhecer Nando Bolognesi, já conhecia o seu palhaço–Comendador Nelson.Há vários anos
utilizo o documentário “Doutores da
Alegria: o filme” em minhas aulas sobre humanização na saúde. Entre tantas
estórias contadas no documentário, uma delas – que os alunos sempre riem quando
ouvem – não saiu da minha cabeça. Era o Palhaço Comendador,que relatava um
causo acontecido envolvendo um peixinho e um menino, na ala pediátrica de um
hospital. Ele falava como aquela criança tinha se permitido embarcar numa
viagem de pura piração e delírio, acreditando na existência real de um peixinho
no lençol, a ponto de não deixá-lo lavar por dias.
Coincidência
ou não, em abril deste ano fui assistir no Festival de Teatro de Curitiba uma
peça chamada “Se fosse fácil, não teria
graça”, de Nando Bolognesi. Logo nos primeiros minutos de peça, a voz do
ator me pareceu muito familiar. Nando e Nelson eram a mesma pessoa!
Esta
peça me inspirou a convidar Nando para uma entrevista a este blog. Ao procurar
seu contato,descobri que ele havia lançado recentemente seu primeiro livro, “Um Palhaço na Boca do Vulcão”. Comecei
a ler e não consegui parar até terminar!
Tanto
o livro quanto o espetáculo sãocomoventes, intensos e intuitivos que, entre
risos e lágrimas,fizeram com que eu refletisse – a partir da história de vida
de Nando e sua relação com a esclerose múltipla – sobrecomo o potencial do ser
humano é infinito. Realmente“tudo,
inclusive os fatos, são apenas a ponta do mistério”, tal como dizia
Guimarães Rosa.
A
história de vida de Nando tem grande identidade com os temas que tratamos no
blog Compreender Saúde. Assim, com muito prazer e honra, o nosso convidado do
mês é Nando Bolognesi!
1. Nando
você acabou de lançar seu primeiro livro “Um
palhaço na boca do vulcão”.Por que decidiu escrever sobre sua vida?
Nunca planejei escrever sobre a minha vida, foi um editor quem
sugeriu que escrevesse um relato sobre minha trajetória desde o diagnóstico da
Esclerose múltipla em 1990.Muito feliz com sua sugestão, aceitei o desafio.
2. Ao longo do seu livro, você cita muitos
tratamentos que fez para tentar impedir o avanço da esclerose múltipla. Desde
urinoterapia, antroposofia, homeopatia, fitoterapia, xamanismo até o
transplante de medula óssea, em 2009. Como estas terapias contribuíram para seu
bem-estar e qualidade de vida.
Cada uma, segundo suas possibilidades e limitações,
me trouxe algo de positivo.
Ao longo do convívio com a doença aprendi que
estava lutando em três frentes simultâneas.
Uma delas diz respeito ao que passei a chamar de
“tratamento de fundo” e busca evitar a ocorrência de novos surtos através de
tratamentos de médio e longo prazo. São terapias que buscam um equilíbrio
holístico voltado não somente à esclerose Múltipla. Nessa categoria se
enquadram a homeopatia, a antroposofia, a meditação, o xamanismo, os cochilos
depois do almoço, as férias regulares, a alimentação balanceada, as leituras, a
diversão, meu relacionamento com meus amigos e familiares.
Uma segunda frente é de curtíssimo prazo e diz
respeito às terapias para “apagar incêndios”. São aquelas práticas e
medicamentos destinados a debelarem os surtos quando eles se manifestam. São as
drogas alopáticas tais como cortisona, quimioterapia, imunoglobulina humana e
por fim o transplante de medula.
E por fim, uma terceira frente se refere ao esforço
por recuperar as perdas acumuladas pelos anos da doença. Nessa frente estão os
diversos tipos de fisioterapia a que me submeti e ainda me submeto; as práticas
esportivas que ainda me são possíveis, entre elas andar de triciclo e tentar
praticar tai-chi; e por fim alguns medicamentos alopáticos e outros
homeopáticos.
3. Dia 30 de agosto foi o Dia Nacional de
Conscientização sobre a Esclerose Múltipla. Que dicas você pode dar para quem
convive com doenças – sejam pacientes, familiares e amigos – que podem
gerarlimitações?
Não me sinto à vontade para dar dicas, cada um deve
encontrar seus próprios caminhos.
O que faço é compartilhar, através do livro “Um
palhaço na boca do vulcão” e de meu espetáculo “Se fosse fácil, não teria
graça”, qual foi o meu caminho.
Se minha história fizer sentido e propuser atitudes
novas, isso será consequência da interação entre a minha obra e seu
interlocutor.
4. Gostei muito do trecho do seu livro que fala
como você se relaciona com o momento presente. “A esclerose por ser progressiva colaborou com o meu jeito de encarar
as coisas de modo positivo....[ ] Então hoje estou bem melhor do que
provavelmente estarei amanhã e isso me faz valorizar o presente. É como se não
tivesse tempo a perder com lamentações e precisasse aproveitar tudo o quanto antes,
já que o futuro promete ser sempre pior”. Você se considerava otimista
antes da doença? Insights positivos como este vieram logo após o diagnóstico ou
apareceram a partir de alguma fase ou fato ocorrido?
A sensação segundo a qual hoje estou bem melhor do que provavelmente estarei amanhã e a
consequente valorização do aqui e agora foi, como quase tudo relativo a meu
convívio com a esclerose múltipla, um processo lento e gradual.
Quando já nem se quer era capaz de correr,
lembrava-me de minhas reclamações por estar jogando mal futebol e pensava:
“Puxa, eu reclamava de barriga cheia.”
Assim notei que, muito provavelmente, quando olhar
para mim daqui a dez anos o farei com a mesma nostalgia que reconheço ao olhar,
hoje, para meu estado dez anos atrás.
A tragédia do “eu era feliz e não sabia”, essa não
a vivo mais.
Aprendi a dar valor ao que tenho hoje.
5. Além da questão profissional, você encara como
um processo terapêutico interpretar o palhaço Comendador Nelson? Nos fale mais
da influência de sua atuação profissional na sua saúde e bem-estar.
O maior
aprendizado que minha interação com a linguagem do palhaço trouxe foi a de não
me levar a sério. Zombar de si mesmo tem o poderoso efeito terapêutico de
desdramatizar a vida. Tudo pode ser mais simples quando nos conferimos a real
importância que temos. Na maioria das vezes nos damos importância demasiada.
Nesse sentido,
é sempre bom lembrarmos que somos nós mesmos, somente para nós, para todos os
outros seis bilhões de habitantes do planeta somos o “Outro” e temos a mesma
desimportância que costumamos atribuir a nossos semelhantes.
6. Você conviveu por três anos com usuários de
serviços de “saúde mental” e criou “Fantásticos
Frenéticos – palhaços em hospitais psiquiátricos”. O que você aprendeu com
as pessoas com transtornos mentais?
Aprendi que devo ser grato pela minha saúde física
e mental, pois encontrei muito sofrimento nos hospitais psiquiátricos que
visitei.
7. No seu espetáculo e no seu livro, que tratam da
sua vida, você deixa claro que, em nenhum momento, você desistiu dos seus
sonhos. Na verdade, você usou as dificuldades que a vida te colocou como
trampolim para conseguir alcançá-los. De onde vem sua força?
A vida vai correndo caótica e só quando olhamos
para trás tentamos dar sentido e atribuir significados às coisas que nos
aconteceram. Nunca me propus a transformar dificuldades em trampolins para o
que quer que seja. Acredito que minha força venha da capacidade de rir de mim
mesmo, de não me levar tão a sério,de saber ter o pasmo ante o mistério que é
existirmos, de reconhecer a oportunidade que é estar vivo e, por fim, do
esforço por me tornar digno dessa oportunidade..
.
8. “A rapidez
com que se instala o amor, é uma coisa avassaladora, muito poderosa.” É assim que você definiu o sentimento de se
tornar pai. Como foi a experiência da adoção para você e sua família?
Dediquei todo um capítulo do livro “Um palhaço na
boca do vulcão” para falar desse assunto e ainda assim não fui capaz de esgotar
toda a sua extensão e intensidade. O nome do capítulo é “Uma overdose de amor”
e acredito que essa seja a síntese mais próxima do que tenha sido essa
experiência.
9. Você é bastante corajoso em falar de si mesmo,
de se expor – contar suas fragilidades e superações.Nos momentos de
dificuldade, Você canta “Maria, Maria”,
lembra Shakespeare:“A paz e a fortuna
geram covardes, a necessidade é a mãe da audácia” e recorda seu grande
herói – Dom Quixote. Como foi o processo de autoaceitação para você?
A autoaceitação é um processo infindável, muitas
vezes doloroso, sempre renovado e transformado a cada nova descoberta de si
mesmo. Talvez minha maior tarefa depois do diagnóstico da esclerose múltipla
tenha sido, e ainda está sendo, a de reconhecer que não existe um duplo de mim
sem a doença. Um duplo que seria capaz, por não sofrer de esclerose múltipla,
de realizar tudo aquilo que não fiz, realizei ou projetei para mim.
Meu maior desafio de autoaceitação foi, tem sido e
ainda é, reconhecer que os limites físicos com os quais passei a conviver, em
decorrência da esclerose múltipla, não são uma degeneração de um projeto
utópico de mim mesmo. Eles são parte daquilo que acredito ser eu e, como tudo o
mais que sou ou penso ser, estão em constante e profunda reformulação.
10. Nando, para finalizar:após a divulgação do
livro, quais são seus planos para o futuro?
Estou empenhado em levar meu livro “Um palhaço na
boca do vulcão” e meu espetáculo “Se fosse fácil, não teria graça” ao alcance
do maior número de pessoas possível.
Sonho também em escrever cada vez mais. Tenho
projetos de mais três ou quatro livros já iniciados e gostaria muito de
torna-los efetivos.
Desejo muito me manter ativo nos palcos a despeito
de minhas limitações físicas. Encerrarei uma temporada teatral na sala B do
teatro Alfa (espetáculo“Desmiolações”, com os palhaços Adão e Rubra que são
meus irmãos Lu Lopes e Paulo Federal), na qual atuei usando cadeira derodas e
isso me encheu de desejos, ideias, projetos.
Essa experiência me acendeu o desejo de criar um
espetáculo no qual atue com cadeira de rodas novamente, mas agora num
espetáculo adulto.
Quero muito acompanhar de perto o crescimento do
meu filho; aprofundar meu relacionamento com minha companheira de vinte anos de
união; celebrar tudo que for possível com os meus amigos e amigas; manter-me
próximo a meus familiares e me tornar um ser mais sereno, lúcido e grato.
Bolognesi,
Nando. Um palhaço na boca do vulcão. São
Paulo: Grua, 2014.
“Se fosse
fácil, não teria graça.” https://www.youtube.com/watch?v=_atfb_321II
“Doutores
da Alegria: O Filme” https://www.youtube.com/watch?v=EylkUOqmJjI
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